domingo, 6 de fevereiro de 2011

Os deveres dos cidadãos

Somos um povo que reclama muito. Não, desculpem...enganei-me no termo utilizado: queixamo-nos muito. Reclamar nem por isso.

O meu namorado diz que eu estou sempre a queixar-me. Do emprego, de demasiado trabalho, dos benefícios que me tiraram, das regras que tenho que cumprir sem concordar com elas e de determinadas situações que me arreliam. Praguejo para todos os lados e por tudo e por nada. Mas queixo-me em surdina. Não faço estas queixas a quem de direito. Ou seja, só gasto a mim própria energias que devia canalizar para coisas mais positivas na minha vida. Sou uma escrava. Sou uma vítima.

Mas em Portugal, eu não me sinto sozinha. Ouço as noticias e praguejam todos uns contra os outros, de costas voltadas. Veja-se a campanha eleitoral para a Presidência da República que ainda agora decorreu. O Prof. Cavaco Silva passou o tempo a falar mal de todos os que levaram Portugal à ruína actual – tendo-se retirado só a ele próprio como culpado. Vitima também. “Eu bem avisei. Desde há muito tempo que eu avisei que isto ia acontecer.” E porque não fez nada entretanto, Sr. Prof. Cavaco Silva? Foi durante 10 anos – se a memória não me atraiçoa Primeiro-Ministro de um país – então ilusoriamente rico com os subsídios de uma União Europeia ainda promissora. Porque permitiu que o dinheiro então recebido, fosse esbanjado? Um lapso destes parece-me inadmissível para um economista tão luminoso como o Sr. Professor pretende ser recordado na História de Portugal.

E os outros candidatos passaram a campanha eleitoral a criticar esmiuçadamente todas as frases que o Prof. Cavaco Silva tão profeticamente proferia nos seus discursos. Por um lado, eu até os compreendo. Já que estes discursos – raríssimos! - são para aproveitar enquanto ele foi candidato a presidente – a partir do momento em que volte a tomar posse, o Sr. Prof. Cavaco Silva deixará de intervir nos assuntos nacionais – porque a função de um Presidente da República não é manifestar-se sobre os problemas que assolam o país e dizem respeito a todos os portugueses. Claro, a gente paga um punhado de dinheiro a um gajo (desculpe, Sr. Professor) engravatadinho com um grande canudo e sem reformas ainda suficientes por acumular, para que nos represente no estrangeiro, já que a maioria de nós, portugueses, nem se atreve a sonhar pôr os pés em terras dos caramelos espanhóis sem ficar com o cartão de crédito atolado ou hipotecar a casa que não consegue pagar ao banco!

Mas não é para falar mal dos candidatos a Presidentes da Republica que esta crónica existe. Ou só para isso. É para reclamar de mim e de todos os portugueses. Nós não sabemos ser verdadeiros cidadãos, como são os franceses, os americanos, ou até os gregos – que se sabem unir para manifestar e reclamar os seus direitos!

Não é só o Estado que tem deveres em relação a nós. Nós também temos deveres enquanto cidadãos portugueses e claramente, penso que não os exercemos. Fugimos da nossa responsabilidade.

Senão vejamos: falamos caluniosamente que estamos a pagar uma divida que não é culpa nossa, mas de quem nos tem gerido e de quem tem “usado” ilicitamente o dinheiro que nós passamos a vida honestamente a tentar ganhar. Mas só ladramos silenciosamente nos cafés, na Net, entre colegas de trabalho. Mas fazer alguma coisa. Nada. Pagamos e calamos. Falamos da corrupção que esburaca o nosso navio-país e o faz naufragar e falamos mal do Estado que não controla essa corrupção. Mas quantas vezes exigimos factura num restaurante? E no cabeleireiro? E no táxi? Ah, esqueci-me. Oh, não vale a pena, há sempre outras formas de roubar. Pagamos e calamos.

Não é só o Estado que tem de arranjar meios para controlar a chamada economia paralela, todos nós, enquanto cidadãos, deveríamos ter a consciência clara de que isso também faz parte dos nossos deveres.

Porque não criamos um movimento conjunto e exigimos ao Estado que nos envie anualmente um relatório em que nos justifique onde tem “usado” os impostos que lhe pagamos? Porque é o nosso dinheiro que ele gasta. O dinheiro que eu poderia poupar para a reforma que já não vou ter – a segurança social é o maior monstro das bolachas que existe para aqueles que começaram a trabalhar há cerca de uma dezena de anos ou menos. Não vai lá estar nada quando precisarmos! A única coisa que ainda me conforma é que pago actualmente a reforma da minha mãe, que tão estoicamente trabalhou como Professora!

Devíamos perguntar aos nossos governantes porque continuam a aumentar as despesas em saúde, se nos dizem estar a cortar as despesas com as horas extraordinárias com os médicos e no sector público nem estão a conceder contratos aos novos internos que terminam as diferentes especialidades? Porque pagamos cada vez mais pelos medicamentos que precisamos – quer pela diminuição da comparticipação dos mesmos quer pela redução dos PVP exigidos aos próprios laboratórios que os fabricam? Porque é que se promove e se pressionam os médicos a prescrever genéricos – dizendo à população que são de confiança e muito mais baratos, mas se formos comparar efectivamente os PVPs entre a marca e o genérico – afinal, não há assim tanta diferença – o que faz em Portugal os genéricos serem mais baratos, é fundamentalmente o Estado retirar a comparticipação ao medicamento de marca. É uma vergonha haver genéricos tão caros!

Se passarmos para a Educação passa-se outra tragédia da mesma envergadura: fecham-se escolas por falta de alunos e obrigam-se as pessoas a deslocarem-se quilómetros sem sentido e muitas vezes também sem transportes públicos ou vias dignas desse nome. Temos milhares de professores desempregados e inúmeras faculdades a leccionarem cursos sem qualquer saída profissional. Estágios não remunerados e Ordens socialmente emergentes que só dão jeito aos que lá se amanham, como a Ordem dos Psicólogos que obriga os recém licenciados a associarem-se e pagar quotas mesmo sem terem possibilidade de fazer um estágio profissional. E com o que é que pagam o seu pão?

E depois, encontramos uma dezena – desculpem, uma centena de novas instituições e fundações e outras ões que tanto, que servem para comemorar o centésimo aniversário da Republica, ou descobrimentos que já foram às nhentos anos atrás e recebemos com a maior pompa e circunstância, a cimeira da Nato e os seus associados porque somos um país que ostenta ser rico e instalamo-los nos hotéis de 5 estrelas e com jantares megalómanos e em festas privadas para selar compromissos que só selam interesses particulares! E Pagamos e calamos.

E o Estado não tem dinheiro. E o estado corta na Saúde. Na Educação. Corta na Cultura. No ambiente. Na criação de novo emprego. No apoio às pequenas e médias empresas. Nos subsídios de desemprego. Cria leis que favorecem o despedimento e diminuem os direitos que os trabalhadores por conta de outrem têm, nomeadamente as indemnizações pelos anos de trabalho e chamam hipocritamente as estas leis dinamizadoras de novos empregos!

E em simultâneo à noite, enquanto tentamos digerir o jantar já envenenado por tantas más noticias, ouvimos falar de números, números grandes, remunerações mensais que 90% de nós, portugueses, nunca vislumbrarão e que nos deixam os olhos a precisar de óculos 3D – os salários de certos administradores de instituições públicas, como a Caixa, a RTP, a PT, a TAP, CTT, certos cargos nas Autarquias, etc, etc, etc. E mais uma vez, nós pagamos e calamos.

Esta história começa a ser repetitiva. E de mau gosto. Pagamos e calamos.

Estamos a assistir à queda do estado Social. Governados por tubarões que nos levam tudo. E nós naufragamos dentro do barco. As bóias de salvação são poucas e apenas para os que se amanham e tiram proveito desta anarquia capitalista.

Não sou de esquerda mas também não sou de direita. Sou um misto de idealismo profundo que não encontra convicções sérias onde se possa agarrar e sente-se perdido num emaranhado de ideologias fracassadas e sente que é urgente reinventar uma nova sociedade que pague aquilo a que tem direito e exerça os seus deveres com orgulho e de cabeça erguida. Sem medo de ser cidadão. E exija respeito e dignidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário